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04/08/2022

Domínio público x direitos autorais: entender as diferenças pode auxiliar o trabalho artístico

Prestes a completar 95 anos, personagem Mickey Mouse trouxe à tona questionamentos sobre as leis que regem o assunto. Brasil e EUA têm entendimentos semelhantes, mas é preciso estar atento

Figura muito querida há décadas, o personagem Mickey Mouse voltou a chamar atenção recentemente, em notícias relacionadas a direitos autorais. Isto porque a Walt Disney perderá, em 2024, a exclusividade sobre a versão pioneira do ratinho, registrada pela primeira vez no filme O Vapor Willie, de 1928. É que pela lei dos Estados Unidos, personagens e obras artísticas entram em domínio público após 95 anos de seu lançamento, o que acontecerá com o Mickey em 2023.

Com isso, a partir de 1° de janeiro de 2024, empresas, artistas e admiradores estarão legalmente autorizados a usar a obra nos Estados Unidos. Mas há limitações, como o fato de os criadores não poderem utilizar outros elementos que lembrem ou remetam à Disney, nem outras versões do personagem, criadas em anos posteriores.

A lei norte-americana chama atenção por se assemelhar à brasileira, principalmente no que diz respeito a obras culturais ou artísticas, mas as determinações daqui têm suas particularidades, sempre voltadas à conciliação entre o domínio público - que, por aqui, acontece 70 anos após a morte do autor - e a proteção dos interesses dos criadores. Portanto, é preciso estar atento.

O advogado Rodrigo Coeli, especialista em propriedade intelectual e sócio do escritório Escobar Advocacia, explica que, no Brasil, a Lei de Direitos Autorais tem o objetivo de proteger as criações do espírito humano, expressas em qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. "A lei ainda traz alguns exemplos de obras protegidas, como as peças literárias, ilustrações, composições musicais, obras audiovisuais, fotografias, projetos de arquitetura e muitos outros. Até programas de computador são considerados obras protegidas pelo direito autoral", detalha.

Com estes tópicos em mente, como saber quais diretos, portanto, um autor tem sobre sua criação? De acordo com Coeli, o criador de uma obra original possui direitos patrimoniais e morais sobre a produção. Os primeiros, referentes a patrimônio, asseguram que autor deve receber os valores ligados à venda ou utilização da obra.

Já os direitos morais versam sobre ser atribuída a devida autoria da obra ao seu criador e, também, sobre a necessidade de se preservar a sua integridade. "Em uma fotografia, por exemplo, mesmo que alguém pague por sua utilização, é ainda necessário que seja indicado o nome do fotógrafo", destaca o advogado.

PROVANDO A AUTORIA

No Brasil, a Lei de Direitos Autorais dispensa o registro da autoria para proteção da obra. Ou seja, o criador não precisa necessariamente fazer um registro formal de sua obra para protegê-la. Porém, em uma eventual ação judicial em que o autor solicite reparação pela utilização não autorizada, ou em uma situação de plágio, é importante que haja algum tipo registro que comprove a autoria e a data da criação da obra.

"Esse registro de autoria pode ser realizado de variadas formas e depende do tipo de obra que se busca a proteção. Hoje em dia, inclusive, novas possibilidades de registro vêm surgindo com a tecnologia, como o registro através de blockchain", comenta Rodrigo Coeli. Ele acrescenta que, quando uma obra entra em domínio público, ainda que os direitos patrimoniais, de herdeiros ou administradores, sejam prejudicados, ficam preservados os direitos morais.

O QUE FAZER COM A OBRA?

Uma obra que entra em domínio público pode ser explorada economicamente sem a necessidade de autorização do autor ou de seus herdeiros. Mas, quem estiver em solo brasileiro, precisa tomar nota: ainda é preciso indicada a autoria da obra e não podem ser feitas modificações.

Como exemplo, Rodrigo Coeli cita que atualmente é possível publicar os livros do inglês William Shakespeare, sem realizar qualquer pagamento para os herdeiros, mas não é permitido dizer que a obra foi escrita por outra pessoa. Vale lembrar, ainda, que estas determinações mudam de acordo com a legislação de cada país, com cada um seguindo as leis próprias sobre direitos autorais.

"No entanto, tendo em vista que estamos em mundo cada vez mais globalizado, em que as obras criadas podem ser replicadas indevidamente em locais diferentes e em pouquíssimo tempo, muitas convenções sobre direito de autor foram estabelecidas entre os países. O Brasil é signatário de inúmeras dessas convenções internacionais, havendo reciprocidade na proteção dos direitos autorais com eles".